O último livro de Elvira Vigna é uma dessas obras que consegue conjugar de modo brilhante forma e conteúdo, linguagem e enredo, a começar pelo título. Sim, porque o título não deixa de ser uma fôrma onde se encontra uma história.
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“Como se estivéssemos em palimpsesto de putas” conta a história de João, executivo de uma editora em processo de falência, e Lola, designer que um dia o visita para propor um projeto de ambientação da livraria que pertence à empresa. O negócio não dá certo, mas algo faz com que os dois se aproximem de um modo estranho.
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João e Lola passam a se encontrar no escritório dele todos os finais de tarde, para fumar e tomar uísque, num prédio onde já não trabalha mais quase ninguém, um ambiente que demonstra o estado de espírito da vida de ambos no momento. E o tema da conversa é quase sempre o mesmo: as aventuras sexuais de João, desde a juventude, com prostitutas, em bordéis, inferninhos e boates.
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A partir desse ponto de partida, Lola, narradora do romance, vai reconstruindo a história de João e a sua própria, sem preocupações com a ordem cronológica, com sentidos bem definidos, e nem mesmo com frases completas. Assim, ela emula e reconstrói as conversas com João, sempre imprecisas, incompletas e em busca de significados que, com frequência, escapam a ele mesmo.
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Um efeito fundamental dessa narradora é que ela reconta as aventuras de João a partir de um ponto de vista feminino, reconstruindo mulheres que são sempre apagadas por ele em seu palimpsesto, inclusive sua própria esposa. Dessa forma, vão emergindo lentamente fatos encobertos, sentidos, identidades, compreensões, que são sempre descobertas para o leitor.
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Não é nem preciso dizer que o livro tem como um dos temas principais a condição da mulher, mas o faz sem nunca ser esquemático, e sim através da construção de personagens ricos e complexos e a partir de uma linguagem que transmite o quanto pode ser intricado perceber as estruturas sociais e culturais dentro de nós e de nossas vidas.
Ficha técnica:
Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas [2016]
Elvira Vigna (SP, 1947-2017)
Companhia das Letras, 2016, 216 páginas.
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