James Dixon está experimentando um desses momentos da vida em que, por falta de opção ou inércia, se vê enredado em um contexto que lhe parece completamente indesejável. E isso tanto no campo profissional como emocional e também financeiro. Ele, no entanto, não tenta se enganar: enxerga bem as roubadas em que está metido e detesta conscientemente cada situação tediosa, constrangedora ou humilhante pela qual se vê obrigado a passar.
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Apesar disso, Dixon – um professor universitário em início de carreira – está longe de ser um personagem depressivo. Ele suporta essa situação calado, mas, ao mesmo tempo, também o faz com muita ironia, um certo ceticismo iconoclasta e um humor que por vezes faz o leitor não conseguir conter a gargalhada. É esse protagonista que proporciona ao escritor Kingsley Amis, em seu romance Lucky Jim (editora Todavia), fazer uma hilariante sátira do mundo acadêmico inglês, suas vaidades, formalidades e certa tendência em abrigar visões de mundo cristalizadas e nem um pouco científicas.
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O contexto da obra é o do pós-guerra e a história se passa em uma universidade do interior da Inglaterra. Dixon foi admitido como professor de História Medieval há poucos meses e está em um “período de experiência”, podendo ter o contrato renovado ou não no final do ano. O chefe do seu Departamento, o professor Welche, parece à beira da senilidade e é dessas pessoas que, em meio a uma conversa, se mostra afeita a longos monólogos, entrecortados por pausas e perdas do fio da meada.
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Welche se aproveita de sua condição de superior para pedir a Dixon todo tipo de favor: revisar suas notas para a escrita de um artigo, enviá-lo em missão para reunir livros de uma extensa bibliografia e participar de eventos sociais nem um pouco divertidos ou atraentes.
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Para completar, o protagonista se vê envolvido com uma colega professora em um relacionamento que, de sua parte, não passaria de uma cordial amizade, mas que ela consegue transformar em algo confuso, cheio de culpa e a meio caminho de um compromisso amoroso do qual ele tenta fugir, mas por vezes parece não ter forças para isso.
Como se não bastassem todas essas aporrinhações, Dixon também não tem muito traquejo social, o que o leva cometer gafes que só pioram sua situação. Isso acontece durante um evento na casa do chefe, envolvendo justamente o filho artista plástico e pedante de Welche, chamado Bertrand, que está de visita na cidade, acompanhado de sua bela namorada.
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É nesse momento que Dixon começa a deixar de aguentar as coisas calado e entra numa espécie de disputa com Bertrand, que vai se estender e adquirir vários desdobramentos e implicações ao longo da história. Com isso, o professor vai, gradativamente, levar sua insatisfação a se materializar em ações, ora planejadas, ora completamente incidentais.
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O fato é que ele tentará sair do imobilismo em que se encontra e, quando o faz, é de acordo com sua personalidade, ou seja, de forma irônica, por vezes desajeitada e frequentemente quebrando as regras, formais ou morais, do ambiente em que está inserido. Sim, Dixon é uma espécie de anti-herói: comete pequenas infâmias, planeja vinganças que parecem saídas de uma comédia de costumes e “enrola os pés publicamente no tapete das etiquetas”.
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Assim, o romance desenha o que parece ser um percurso direto para o seu desastre profissional e social. Mas, mesmo que isso aconteça, Amis vai fazer com que, antes, não reste pedra sobre pedra de um ambiente social estagnado, provinciano e conservador, que cultua um passado idealizado do país e de suas tradições culturais – ideia que foi tão frequente em um tipo de nacionalismo comum a muitos países no século 20.
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Lucky Jim é um livro divertidíssimo, que faz parte de um subgênero literário em língua inglesa, a comédia acadêmica, pouco conhecida por aqui. Tanto que o romance, de 1954, nunca havia sido publicado no Brasil. O livro esbanja vivacidade, humor e talento para a descrição das interações sociais dos seus personagens – motivos mais que suficientes para não se deixar de conferir a prosa de Kingsley Amis.