Tipos sociais, situações morais, contextos familiares, debate político, cotidiano do trabalho, religião, descobertas da juventude e percepção da morte. As temáticas dos contos de Dublinenses são tão ricas e diversas quanto eram amplas as ambições literárias de seu autor, James Joyce. Ele chegou a dizer que seu objetivo com o livro era escrever um capítulo da história moral da Irlanda.
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Ao fazer isso em sua primeira obra de prosa, dá pra perceber que suas intenções artísticas nunca foram modestas. Claro que sua ambição se intensificou depois, nos complexos e icônicos romances Ulisses e Finegans Wake, marcos do Modernismo. Mas Dublineneses, apesar de ainda não ter algumas das características marcantes da estilística de Joyce, como é o caso do fluxo da consciência, já demonstra em larga medida a sofisticação do escritor.
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E é justamente devido a essa combinação entre qualidade literária e acessibilidade que o livro é considerado a melhor opção para o leitor que quer se iniciar no cânone joyceano. Aliado a isso, também ajuda o fato de que cerca de 30 personagens que estão nos Dublinenses reaparecerem em Ulisses. E toda essa “comunidade” surge envolta pelo ambiente social, político e religioso de Dublin, descrita com detalhamento de ourives por Joyce.
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A descrição detalhada, aliás, é um ponto marcante da linguagem usada nos contos e funciona de modo a dar uma dicção realista às narrativas. Além disso, o narrador mantém certa distância dos fatos e cria um certo tom de cotidiano ao que ocorre aos personagens. Não é que os acontecimentos não sejam marcantes, mas poderiam acontecer a qualquer dublinense daquela época.
É assim, por exemplo, que o protagonista de “Uma pequena nuvem” desenvolve sentimentos contraditórios pelo amigo que foi morar em Londres, conheceu toda a Europa e fez sucesso profissional, enquanto ele mesmo nunca saiu de Dublin e ficou preso a uma vida convencional. E também soam cotidianas as pequenas humilhações no trabalho sofridas pelo escriturário Farrington no conto “Duplicatas”, que faz de tudo para tentar aplacar seu orgulho ferido bebendo pelos pubs da cidade.
Mas o que faz as histórias transcenderem o que poderia ser uma espécie de crônica do cotidiano é o valor simbólico que o escritor consegue imprimir em muitos trechos e contos. Isso ocorre em narrativas como “Eveline”, na qual a protagonista planeja partir com seu namorado para Buenos Aires e fugir da vida triste que sua mãe, já falecida, lhe deu de exemplo. Ou em “Um caso doloroso”, em que Joyce descreve à perfeição a figura de um misantropo.
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Além disso, também está presente em vários contos um recurso que os estudiosos de sua obra ensinam que era caro a Joyce: a ideia de epifania. Ou seja, aquele momento em que o personagem, em função de um fato ou gesto qualquer, consegue ter, de repente, uma visão ampla e esclarecedora de um contexto social ou de sua própria condição. O caso mais exemplar disso é o último e mais extenso conto do livro, “Os mortos”.
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Isso tudo faz com que a maior parte dos textos seja feita para ser apreciada com vagar, talvez como a um quadro, pois o escritor não faz questão de construir grandes acontecimentos ou configurar tensões narrativas mais intensas. Exige-se do leitor uma certa postura de contemplação.
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Diga-se, ainda, que em Dublinenses o estilo de Joyce é direto e elegante, o que acaba funcionando para realçar outra qualidade presente em muitos dos contos do livro: um completo desnudamento moral ou psicológico dos personagens. Exemplos empolgantes disso estão em “A casa de pensão”, no já citado “Uma pequena nuvem” e em “Uma mãe”.
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Por fim, é importante dar uma informação da estrutura mais geral do livro, que é composto de 15 contos. Os três primeiros são os únicos narrados em 1ª pessoa e contam histórias de crianças e adolescentes. Todos os demais têm narradores em 3ª pessoa. E, não importa em qual deles, a cidade de Dublin está presente, descrita com riqueza de detalhes e, em muitas ocasiões, bem pode ser considerada um personagem, que não só emoldura, mas também influencia e dialoga com os demais.
Ficha técnica
Dublinenses [1914]
James Joyce (Irlanda, 1882-1941)
Penguin-Companhia, 2018, 277 páginas